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Pareceristas jurídicos: A responsabilidade de serem os Gardiões da legalidade e juridicidade nas Contrataçoes Públicas

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Publicado em: 11/07/2024 11:07 | Atualizado em: 11/07/2024 12:07

 Mainara Teles Dourado

Doutoranda em Direito, Mestre em Direito e Sociedade, Especialista em Direito Público, Colunista dos Portais Sollicita e Grupo Orzil, Analista Judiciária em licitações e contratos do Superior Tribunal Militar

Resumo


A responsabilidade dos pareceristas jurídicos no contexto dos procedimentos licitatórios impacta diretamente a condução de processos administrativos e contratuais. Por isso, artigo explora a responsabilidade desses profissionais, destacando os critérios para a atribuição de responsabilidade, bem como as nuances que envolvem o tema.
 

Introdução


Sou parecerista no serviço público, com atuação na área de licitações e contratos. Dedico-me com paixão ao meu trabalho, consciente da importância e do impacto que minhas análises e pareceres exercem na administração pública. Acredito que a relevância e a responsabilidade intrínsecas à minha função mereçam maior reconhecimento especificamente no Tribunal onde atuo, mesmo assim, sigo empenhada em garantir a legalidade e a eficiência dos processos licitatórios.

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A assinatura que coloco em cada parecer carrega um peso significativo, pois minha avaliação pode influenciar diretamente a regularidade e a transparência dos procedimentos de contratação. Essa responsabilidade exige não apenas conhecimento técnico, mas também um compromisso ético e jurídico.

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E você, parecerista que aprova, assina e atesta a regularidade de um procedimento licitatório, está plenamente ciente das suas responsabilidades? sabe como os seus pareceres podem impactar a administração pública e quais são as implicações de um parecer emitido com erro, dolo ou negligência?  Nesse artigo quero que seja compreendida a profundidade dessa responsabilidade para que haja uma atuação consciente e segura na missão de elaboração dos pareceres no âmbito das contratações públicas.

 

A Importância da Licitação nas Contratações Públicas


“A gente vê, mas não repara”. Essa expressão reflete bem a percepção da maioria dos cidadãos em relação às contratações públicas: sabem que elas existem, mas não compreendem plenamente a sua dinâmica.

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As contratações públicas dependem fundamentalmente de um procedimento, que, embora invisível aos olhos do público, é essencial para a administração justa dos recursos públicos.

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O cidadão não percebe o impacto direto da Lei de Licitações em sua vida cotidiana. Ele pode não saber, mas é profundamente afetado pelo procedimento, que regula a aquisição de bens e serviços pelo governo. Desde o transporte público, passando pela energia elétrica, até o fornecimento de medicamentos, todos esses serviços essenciais dependem de contratos administrativos que devem seguir rigorosamente os procedimentos de licitação.

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De fato, a eficácia de toda a máquina estatal depende da aplicação correta dessa lei. Como bem destacou a Agência Senado (2020) a Lei de Licitações é a base sobre a qual a administração pública se sustenta para garantir que os serviços oferecidos à população sejam adquiridos de forma eficiente, econômica e transparente. Isso não só assegura a qualidade dos serviços prestados, mas também promove a integridade e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos.

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Por isso, é essencial que os profissionais envolvidos nos processos licitatórios, especificamente os que atestam a regularidade desses procedimentos, reconheçam a importância do seu papel e as suas responsabilidades no âmbito das contratações públicas.

O Papel do Parecerista Jurídico na identificação da Corrupção, Fraudes e Falhas nas Contratações Públicas


Os maiores escândalos de corrupção que conhecemos, como o “Mensalão”, os “Sanguessugas” e o “caso Petrobras”, são exemplos marcantes da estreita ligação entre as fraudes e em licitações públicas e a corrupção sistêmica na gestão do país. Esses exemplos evidenciam a responsabilidade e a importância daqueles que atestaram a legalidade dos procedimentos licitatórios.

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O Procurador, o Assessor, o Advogado, o Parecerista, Analista ou Técnico Judiciário é o profissional que recebe um processo de papel ou eletrônico nas mãos sem ter como desvendar a complexidade e sofisticação das estratégias fraudulentas nas contratações públicas, que quando ocorrem, resultam de acordos informais e secretos, deixando poucos rastros para a comprovação da manipulação do processo licitatório.

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O parecerista jurídico, desempenha um papel não só na identificação de fraudes, mas também na detecção de falhas e erros nos procedimentos de contratações públicas. Essas falhas podem ter um impacto significativo sobre os recursos públicos, afetando diretamente a qualidade, eficiência e lisura dos serviços e da imagem do profissional parecerista, por isso, a tarefa de garantir a legalidade e a transparência das licitações exige não apenas conhecimento técnico, mas também um compromisso ético e uma constante atualização sobre as inovações nos métodos de detecção de fraudes.

 

A Responsabilidade dos Pareceristas Jurídicos nas Contratações Públicas


Aquele (a) que emite pareceres jurídicos sobre atos administrativos no âmbito das contratações públicas não exerce diretamente a gestão de recursos públicos. Então, por que seriam responsabilizados se apenas emitem uma opinião jurídica sobre o tema?

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Primeiro, é importante destacar que o Tribunal de Contas da União (TCU) considera que o parecerista deve ser responsabilizado apenas quando o parecer emitido apresenta fundamentação absurda, desarrazoada ou claramente insuficiente, e foi utilizado como base jurídica para a prática de um ato irregular.

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Segundo, na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao enfrentar o tema em um caso que tratava de um mandado de segurança contra uma decisão que incluía advogados da Petrobras como responsáveis solidários devido à emissão de parecer favorável à contratação direta, sem licitação, de uma empresa de consultoria internacional, destacou que o parecer não é um ato administrativo.

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Di Pietro, (2020) reforça o entendimento do STF que os pareceres jurídicos são atos de natureza opinativa, não obrigando a autoridade administrativa a acatar suas conclusões; se ela discordar, poderá adotar decisão diversa, desde que adequadamente fundamentada. No entanto, na prática, as autoridades tomam decisões baseadas nos pareceres emitidos por profissionais da área jurídica, cuja habilitação e competência são presumidas.

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Portanto, ainda que o parecer não seja mencionado expressamente no ato decisório, e não seja um ato administrativo, ele constitui a própria motivação essencial a validade desse ato nas contratações públicas, pois é a motivação jurídica que vinculando a autoridade administrativa. Assim, se os motivos de fato e de direito constantes no parecer forem inexistentes ou falsos, o ato será considerado ilegal.

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Por isso, a responsabilidade dos pareceristas impõe um peso significativo sobre a “categoria”, pois, apesar de ser uma função opinativa, não há que se negar que a somos responsáveis diretamente pela conformidade legal das decisões administrativas.

 

Responsabilidade do Parecerista Jurídico: Perspectivas e Implicações


 O Tribunal de Contas da União (TCU) tem interpretado que os pareceristas somente podem ser responsabilizados quando há um vício significativo na peça que produzem, o qual dá suporte à prática de um ato irregular. Em outras palavras, se um parecer jurídico contiver um erro grosseiro ou inescusável, ou defender desarrazoadamente um ato danoso ao Erário ou uma grave violação da ordem jurídica, e se esse parecer for relevante para a prática do ato irregular, seu autor estará sujeito à jurisdição do TCU para fins de fiscalização da atividade da Administração Pública.

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Por isso, mesmo quando os pareceres sustentam uma linha de raciocínio equivocada, a responsabilidade é afastada se o parecer estiver fundamentado de maneira adequada, caso defendida uma tese aceitável na doutrina ou jurisprudência, especialmente em casos de considerável complexidade.

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Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), um parecerista só pode ser civilmente responsável pelos danos causados se estes forem decorrentes de um erro grave e inescusável, ou de um ato ou omissão praticado com culpa em sentido amplo. Nesse sentido, conforme sedimentado na jurisprudência as repercussões jurídico-administrativas de um parecer jurídico são as seguintes:

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(i) Quando a consulta é facultativa, a autoridade não está vinculada ao parecer proferido, mantendo seu poder de decisão inalterado pela manifestação do órgão consultivo.

(ii) Quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa deve emitir o ato conforme submetido à consultoria, independentemente do parecer ser favorável ou contrário. Se a autoridade desejar praticar um ato de forma diversa daquela apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a um novo parecer.

(iii) Quando a lei exige que a decisão seja baseada em um parecer vinculante, essa manifestação jurídica deixa de ser meramente opinativa, obrigando o administrador a decidir conforme a conclusão do parecer ou, alternativamente, a não decidir.

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Nas contratações públicas, o parecer não possui caráter vinculante. Sua aprovação pela hierarquia superior não altera sua natureza opinativa. Isso significa que, salvo em casos de demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetidos às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais competentes, não cabe a responsabilização do parecerista público pelo conteúdo de seu parecer meramente opinativo.

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Por isso, na esfera da responsabilidade pela regularidade da gestão, é fundamental avaliar a existência do liame ou nexo de causalidade entre os fundamentos de um parecer desarrazoado, omisso ou tendencioso, com grave erro, e as ações dos gestores de despesa pública que tenham contribuído para a concretização do dano ao Erário.

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Além disso, a responsabilização do parecerista deve levar em conta a natureza opinativa de seu trabalho, salvo em casos em que haja demonstração de erro grosseiro ou inescusável. Nesse sentido, somente a análise do caso concreto ira verificar se o parecerista agiu com diligência, zelo e com base em fundamentos jurídicos sólidos, ou se houve desvio de conduta que justificasse a responsabilização.

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Portanto, a avaliação da responsabilidade do parecerista na Administração Pública é uma tarefa complexa que deve ser realizada caso a caso, considerando todos os elementos e circunstâncias envolvidos no caso concreto, como o caso Parecer contrário à disposição literal de lei ou com deturpação de precedente jurisprudencial solidificado.

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Conclusão:


 No âmbito das contratações públicas, o parecer não possui caráter vinculante. A aprovação pela hierarquia superior não altera sua natureza opinativa do seu ato. Por isso que, salvo em casos de demonstração de culpa ou erro grosseiro, não cabe a responsabilização do parecerista público no âmbito das contratações pelo conteúdo de seu parecer meramente opinativo.

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De fato, a autoridade administrativa não tem a obrigação de acatar as conclusões do parecerista; se ela discordar, poderá adotar decisão diversa, desde que adequadamente fundamentada. No entanto, na prática, as autoridades tomam decisões baseadas nos pareceres emitidos por profissionais da área jurídica, cuja habilitação e competência são presumidas.

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A função de emitir pareceres em processos de contratação não é apenas uma tarefa técnica, mas uma responsabilidade significativa que afeta a transparência e a integridade da administração pública, ainda mais como segunda linha de conformidade e defesa. Somos responsáveis pela juridicidade, legalidade do processo licitatório, desde a fase do planejamento da contratação, uma tarefa árdua, pois o gestor confia no conhecimento jurídico do parecerista para tomar decisões informadas em um ambiente complexo.

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A complexidade desses processos significa que o parecerista deve confiar em sua expertise para garantir que suas análises sejam fundamentadas e defensáveis, mesmo que a interpretação possa ser discutida. Porém, o excesso de trabalho, a falta de reconhecimento e a  possibilidade de responsabilização em caso de erros, em certos contextos, ainda gera preocupações significativas, pois, imaginar as consequências profissionais e emocionais de ter que justificar o  entendimento de um parecer diante de órgãos de controle é angustiante,  só o fato de ter que responder diante de uma falha em um procedimento tão complexo, que envolve tantas nuances, de ter que justificar,  assusta e tira a paz de qualquer profissional,

Por isso, é fundamental lutar pela valorização dos profissionais pareceristas, garantindo-lhes oportunidades de treinamento contínuo para que possam desempenhar suas funções com mais segurança e confiança. Essa valorização não apenas reconhece a importância de seu papel na administração pública, mas também contribui para fortalecer a confiança e a eficiência nos processos decisórios governamentais. A conscientização sobre a responsabilidade e o impacto dos pareceres jurídicos é essencial para criar um ambiente onde esses profissionais possam exercer suas funções com a tranquilidade necessária, assegurando a lisura e a eficácia da gestão pública.

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É imperativo que os pareceristas sejam devidamente valorizados e apoiados em sua função. Eles são uma linha de defesa vital contra a corrupção e a má gestão dos recursos públicos, garantindo que os processos licitatórios sejam conduzidos de forma justa, transparente e eficiente, em benefício de toda a sociedade.

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Bibliografia.


BRASIL. Tribunal de Contas da União. Secretaria Adjunta de Fiscalização.

Orientações para elaboração da matriz de responsabilização

BRASIL, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021: Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-

2022/2021/lei/L14133.htm

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo:

Atlas, 2020

CHARLES, Ronny. Temas Controvérsios da Nova Lei de Licitações e Contratos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021.

 

 Mainara Teles Dourado

Doutoranda em Direito, Mestre em Direito e Sociedade, Especialista em Direito Público, Colunista dos Portais Sollicita e Grupo Orzil, Analista Judiciária em licitações e contratos do Superior Tribunal Militar