Gestores de diferentes estados compartilham experiências sobre parcerias com organizações sociais e desmistificam conceitos sobre financiamento.
Gestores públicos especialistas em cultura trouxeram suas contribuições para o debate sobre arranjos institucionais na gestão de equipamentos culturais públicos, na sexta-feira (25), para o Seminário Horizontes da Gestão Cultural: Arranjos institucionais para a gestão compartilhada de equipamentos públicos de cultura, realizado no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro.
A mesa da manhã foi conduzida por Letícia Schwarz, subsecretária de Gestão Estratégica do MinC e organizadora do seminário. Para ela, o debate é fundamental “para dar conta das especificidades da cultura, e ao mesmo tempo adequar o que a gestão tem de peculiar, nos processos administrativos em si”.
O estado do Ceará é referência nacional em gestão cultural através de organizações sociais. Luisa Cela, secretária de Cultura do Estado do Ceará, apresentou a trajetória pioneira da região, que há mais de 20 anos instituiu a primeira Organização Social de Cultura do Brasil.
“Somos um Estado conhecido por termos criado e qualificado a primeira organização social de cultura do Brasil há 27 anos”, explicou. A experiência cearense começou com o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e evoluiu para uma ampla rede de equipamentos culturais.
Um dos pontos centrais do debate foi a definição do papel do Estado na gestão cultural quando estabelece parcerias com organizações sociais. “O Estado não é detentor da política pública. O Estado, ele gerencia, ele faz a governança da política pública em diálogo com os espaços de organização da sociedade civil, com a iniciativa privada, com as organizações, com as fundações, afirmou Luísa.
A mesa contou com a participação de Claudinéli Moreira Ramos, presidente do Conselho de Administração da Fundação Energia, que abordou papel do estado contratante. Ela destacou que existem mais de 150 leis de organizações sociais no Brasil. “Nós temos várias formas diferentes hoje de pensar a gestão cultural” e reforçou um princípio básico: “sem recurso não se faz cultura”. Ela destacou também a importância dos indicadores na avaliação das parcerias.
Luan Felipe, diretor de Governança e Controle Interno da SPcine, trouxe a perspectiva da gestão audiovisual, enquanto Barbara Boff, presidente da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, apresentou as “Contribuições do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil para a promoção dos direitos culturais”, destacando o exemplo da Escola Livre das Artes Arena da Cultura, um modelo de escola expandida que desenvolve ações formativas em 25 equipamentos públicos.
Um dos pontos abordados durante o painel foi a necessidade de desmistificar conceitos sobre as parcerias entre Estado e organizações sociais. “Alguns gestores públicos ainda acham que quando você faz uma parceria ou quando você faz um contrato de gestão, você deve reduzir o orçamento destinado àquele equipamento cultural. O Estado não sai da sua obrigação de estar financiando aquele equipamento. Ele pode multiplicar um pouco as fontes de recurso que aquele equipamento pode ter”.
Segundo ela, essa multiplicação pode incidir sobre o mesmo conjunto de recursos ou abrir possibilidades para captação de receitas através de ingressos, bilheterias, vendas e concessões.
O painel contou ainda com a participação de Giane Salles, analista técnica do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que abordou questões de governança, prestação de contas e transparência, sugerindo melhorias na relação entre organizações sociais e órgãos supervisores.
André Brasileiro, secretário-executivo da Secretaria de Cultura de Recife, apresentou os aspectos da gestão do Paço do Frevo, destacando a gestão compartilhada, a relação com a cidade e a difusão da cultura como elementos fundamentais para manter um “espaço consistente e resistente do frevo”. A experiência pernambucana também abordou a gestão de equipamentos culturais em Recife, incluindo projetos no Parque Dona Lindu e a utilização da Lei Rouanet.
Salvador também marcou presença no debate através de Chico Assis, diretor da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura de Salvador, que trouxe a experiência da parceria com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) na gestão da Cidade da Música da Bahia, demonstrando como acordos internacionais podem fortalecer a gestão cultural local.
Tarde
No período da tarde, o debate ganhou a dimensão prática com o painel Como os Equipamentos Culturais se Relacionam com seus Territórios? Práticas de gestão com base em participação e arranjos inovadores para sustentabilidade e financiamento, mediado por Helena Barbosa, secretária municipal de Cultura de Fortaleza. O painel trouxe experiências de diferentes tipos de equipamentos culturais e suas estratégias de enraizamento territorial.
Rafa Rafuagi, fundador do Museu da Cultura Hip-Hop do RS e condecorado com a Ordem do Mérito Cultural em 2025, compartilhou a experiência pioneira de autogestão e sustentabilidade através do enraizamento comunitário, do Museu do Hip-Hop no Rio Grande do Sul. “O espaço hoje opera com 52 trabalhadores diretos, a gente fez questão de empregar os funcionários que são do Hip-Hop, e nesse sentido o museu pulsa, fazendo com que não somente os profissionais que estão lá são qualificados, mas se tornando um guarda-chuva para políticas públicas e ações que vão ser descentralizadas em todo o território nacional, especialmente nos extremos, norte, nordeste e sul”. O museu projeta para os próximos quatro anos o investimento de 24 milhões de reais, que configura de forma independente o maior investimento de Hip-Hop no território brasileiro, com o apoio do Ministério da Cultura. “O Hip-Hop é causa de interesse público”, concluiu Rafuagi.
Alessandro Batista, do Museu da Vida da Fiocruz, apresentou como instituições científicas podem se conectar com suas comunidades através de projetos territoriais que combinam divulgação científica e participação comunitária. Já Renier Molina, especialista em cultura e desenvolvimento territorial, trouxe a perspectiva da economia criativa como motor de desenvolvimento local, abordando como equipamentos culturais podem ser catalisadores de transformação social e econômica.
Sinara Rúbia, diretora presidente do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), destacou os desafios de museus temáticos dedicados ao patrimônio afro-brasileiro como territórios de resistência e afirmação identitária. Localizado no Cais do Valongo, o museu tem uma relação profunda com o local de memória. “Ele é um museu inspirado no conceito de museu de território, ele é um museu comunitário, da comunidade negra, é um museu da prefeitura, que tem uma gestão compartilhada com a comunidade negra”.
Siomara Faria, da Associação Pró-Cultura e Promoção das Artes (Appa) – complementou com a visão das organizações da sociedade civil como pontes entre poder público e comunidades. O painel evidenciou que a gestão participativa fortalece a relação entre equipamentos e territórios, mas deve ser adaptada às especificidades locais. A sustentabilidade, segundo os debatedores, deve combinar aspectos financeiros, sociais e culturais.
Encerramento
O Seminário Horizontes da Gestão Cultural: Arranjos institucionais para a gestão compartilhada de equipamentos públicos de cultura foi concluído com uma perspectiva otimista e propositiva sobre o futuro da gestão pública na área da cultura. O último painel, intitulado “OSs na Gestão de Equipamentos Públicos de Cultura: entre a eficiência e a complexidade”, reuniu especialistas com ampla experiência em modelos de parceria entre Estado e organizações sociais.
Participaram do debate: Úrsula Vidal, secretária de Cultura do Estado do Pará; Ana Javes Luz, diretora administrativo-financeira do Instituto Mirante; Marcelo Velloso, diretor-executivo do Museu de Arte do Rio; Renata Motta, diretora-executiva da IDBrasil – Cultura, Educação e Esporte; e Ricardo Piquet, presidente do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG). A mediação foi conduzida por Beatriz Salles, procuradora-chefe da Funarte.
A mesa reforçou o potencial das parcerias com Organizações Sociais (OSs) como vetor de modernização do Estado, tanto em termos de legislação quanto de práticas administrativas. Beatriz Salles destacou a agilidade e a capacidade de resposta das OSs como referência positiva para o aprimoramento da administração direta. Para ela, a convivência com modelos de gestão compartilhada pode estimular o Estado a rever e atualizar sua legislação, sem abrir mão de seu papel estruturante nas políticas culturais. “Eu sou muito otimista no geral, e saio daqui com mais certeza ainda de que esse contato qualificado e compartilhado com as OSs pode trazer ao Estado elementos para modernizar a sua própria atuação”, afirmou.
Um dos pontos altos da mesa foi a menção ao novo Marco de Fomento à Cultura, recém-aprovado, celebrado como uma legislação inovadora que amplia as possibilidades de transferência de recursos para uma diversidade de agentes culturais, incluindo empresas, OSs, OSCs, CIPs, pessoas físicas e até pessoas sem endereço fixo. A nova legislação foi apontada como um avanço importante na consolidação de uma política pública cultural mais democrática, flexível e inclusiva.