A  Agência Espacial Brasileira (AEB) esclarece algumas informações publicadas na edição da Folha de S. Paulo de 17.09 – “FAB quer arrecadar R$ 140 milhões ao ano com “aluguel” da base de Alcântara” – e em outros veículos de comunicação. Todos esses esclarecimentos têm o intuito de proporcionar ao público uma visão mais completa dessa relevante questão de interesse para a ciência, a tecnologia e a soberania nacionais.

  1. Sobre a cifra anunciada, de R$140 milhões anuais de possível arrecadação: a AEB desconhece sua origem. Estudos estão sendo realizados com o intuito de modelar o relacionamento entre as organizações públicas e privadas, nacionais e estrangeiras que poderão participar do esforço para uso comercial do Centro Espacial de Alcântara (CEA) no Maranhão. Consideramos que cifras como essas deverão refletir planos de negócios viáveis para o Centro, que por sua vez dependerão dessa modelagem e, particularmente, em encontrar um balanço entre o requisito legal de ressarcir o Poder Público pelo uso da infraestrutura lá existente por parte de organizações privadas (pagamento pelo uso de infraestrutura pública) e o ímpeto arrecadatório. “Errar a mão” nessa medida pode, em seu limite, inviabilizar sua plena utilização, ou reduzir em muito sua competitividade.
  2. Sobre o montante de R$140 milhões corresponder a cinco vezes o valor médio investido pela União no programa espacial na última década: lamentavelmente, esta informação está completamente equivocada. O investimento nacional anual ao longo da última década oscilou substancialmente, como é normal quando se trata de recursos do Estado. No entanto, considerando apenas o Programa Espacial (Programas 0464 e 2056 da Lei Orçamentária Anual) com seus investimentos em lançadores, bases de lançamentos, satélites e seus sistemas de recepção e controle, e de aplicação de dados, os valores orçamentários anuais do período 2007-2018 foram, em milhões de Reais: 2007(231,0); 2008(206,1); 2009(310,0); 2010(291,4); 2011(263,2); 2012(395,2); 2013(279,5); 2014(279,5); 2015(226,0); 2016(176,0); 2017(152,8) e; 2018(146,5, Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo (Siop), que determinam uma média histórica anual de R$ 246,4 milhões, muito acima de um quinto de R$140 milhões, como referido no artigo. Importante observar também que estes valores não incluem outras iniciativas governamentais na área de tecnologia espacial, como é o caso dos investimentos em telecomunicações realizados diretamente pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações de Comunicações (MCTIC) e pelo Ministério da Defesa (MD) a partir de 2012, nem a remuneração dos recursos humanos e outros gastos fixos das instituições públicas envolvidas, que usualmente saem de rubricas exclusivas do orçamento federal. Se computados, elevariam ainda mais a média anual investida.
  3. Quanto a ser o objetivo de colocar satélites em órbita um “sonho da Aeronáutica”: o objetivo de colocar satélites em órbita é, de fato, um objetivo nacional capturado de forma sistemática e organizada no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), desde sua primeira versão, e já na quarta edição, qual seja a de 2012-2021 (PNAE), a cargo da Agência Espacial Brasileira.  À AEB, cabe também capturar este objetivo nos Planos Plurianuais (PPA) do Governo Federal, e demandar anualmente recursos do orçamento federal. Como é sabido, o setor espacial no Brasil é organizado de forma sistêmica, através do Sistema Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (SINDAE), sendo a AEB o seu órgão central. A Aeronáutica, por meio de suas organizações que integram o SINDAE, dentre elas o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), participa desse esforço coordenado pela AEB, e dela recebe recursos para executar os projetos que lhe são alocados, entre eles os investimentos para o aprimoramento e manutenção desse Centro de lançamento, assim como para o desenvolvimento de um veículo lançador nacional. É claro que alcançar o objetivo de lançar satélites a partir do solo brasileiro é também um sonho de todos os que participam desse esforço, não somente da Aeronáutica. Formam todos um conjunto de organizações e brasileiros que devotam seu tempo e carreiras em busca desse objetivo.
  4. O artigo faz referência a oito países que constituiriam o clube restrito dos que hoje dominam a tecnologia de veículos lançadores, bases de lançamento e suas operações: esta é uma informação sempre sujeita a alguma controvérsia. Pelos dados mais recentes, coletadas do Compêndio 2018 da Federal Aviation Administration (FAA, Estados Unidos), a operação comercial de lançamentos de satélites e voos tripulados é hoje inequivocamente dominada apenas pelos Estados Unidos, Rússia, China, Índia, Japão e Europa, sendo que no continente europeu há vários países envolvidos no esforço industrial, com destaque para a França, a Alemanha e a Itália. Atualmente são conhecidos algo em torno de 90 veículos lançadores em serviço, sendo vários na forma de variantes dentro de uma mesma família. Adicionalmente, há hoje em torno de 50 novos veículos em desenvolvimento, alguns voltados para a reposição de sistemas já considerados obsoletos, e outros para mercados emergentes, como o dos voos tripulados comerciais e o do lançamento de grandes constelações de satélite de pequenas dimensões. Cabe observar que o desenvolvimento de novos lançadores não é mais uma reserva das empresas que tradicionalmente apoiaram os programas espaciais governamentais ao longo dos últimos 50 anos. Muitas start-ups hoje disputam esse mercado, e outras já ganharam musculatura, como é o caso da americana SpaceX. Finalmente, quando o assunto são os centros de lançamento, não necessariamente comerciais, pela mesma fonte, eles estão distribuídos em dez países e territórios, incluindo aí nações que não dominam a tecnologia de lançadores. Na lista encontram-se Estados Unidos, Rússia, China, França (Guiana Francesa), Japão, Índia, Israel, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Nova Zelândia.
  5. Quanto à criação da empresa pública Alada: a AEB confirma a existência da iniciativa para sua criação, por parte do Ministério da Defesa, e que ela poderá ser um dos instrumentos para viabilizar a realização de atividades comerciais no CEA. Seu eventual papel é parte do trabalho de modelagem que está sendo desenvolvido no momento, que é o de identificar as alternativas legais que permitam a efetiva utilização do Centro, bem como o reinvestimento dos recursos por ele arrecadados na forma de taxas e outros recolhimentos. Cabe observar que não é certo que um dos objetivos da empresa seja o de “evitar a lei de licitações”, já que a Alada será uma empresa pública, consequentemente sujeita à referida Lei, a menos que haja alternativas legais que a ela se sobreponham em casos específicos.
  6. Quanto às negociações de um acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos: a AEB reconhece sua existência, e as dificuldades que este tipo de instrumento sempre traz. Cabe, no entanto, observar que este não será o primeiro acordo do tipo firmado pelo Brasil, existindo no momento dois outros em vigor – com a Ucrânia e com a Rússia. Também cabe observar, e isto fica claro no artigo, que este tipo de acordo por si só não assegura o uso comercial do Centro, ele apenas permite que o lado brasileiro e outras partes interessadas entrem em negociações com este objetivo, sejam elas organizações americanas, sejam de outras nações que utilizem tecnologias daquele país. Adicionalmente, o acordo também permitirá que o próprio Brasil realize lançamentos de satélites que contenham tecnologia americana, o que aparentemente ficou ausente do artigo, já que estamos desenvolvendo um lançador nacional com a participação da Aeronáutica, que esperamos possa vir a ser utilizado para atender não apenas às necessidades brasileiras dentro da sua capacidade, mas também as demandas de outras nações. Para mais esclarecimentos, consultar o link da AEB: <http://www.aeb.gov.br/acordo-de-salvaguardas-de-alcantara-banner/>
  7. Quanto ao CEA ser potencialmente uma “mina de ouro”: a AEB não compartilha esta visão. Ela entende que o CEA tem sim potencial para ser um centro de lançamento de sucesso, e hoje trabalha arduamente para que este objetivo seja alcançado. No entanto, temos uma visão realista da questão econômica envolvida. Em síntese, é necessário entender que no ramo espacial competitivo como é o de lançamentos, cabe ao Estado ser o garantidor da viabilidade do exercício da atividade econômica, e uma das formas de fazê-lo é patrocinando ele próprio o investimento na infraestrutura essencial desses centros, como é a regra mundo afora. Desejamos que as empresas atuem, prosperem, lucrem, empreguem e recolham impostos. Para isso, e para que esta atividade tenha sucesso e seja competitiva frente aos concorrentes internacionais, a capacidade de extração de arrecadação por parte do Estado deve ser modesta visando, no limite, arrecadar os impostos de Lei, e as taxas que remunerem os serviços prestados, e que possam elas ser abatidas do custo total de manutenção do Centro. O valor a ser cobrado pela utilização do Centro não deve ser alto a ponto de anular os ganhos que o Centro oferece devido a sua localização. Deve-se, muito mais, pensar no Centro Espacial de Alcântara como um indutor do desenvolvimento regional, capaz de, mediante a atuação do Estado, gerar emprego, renda e benefícios sociais.
  8. Quanto à economia de combustível de 30%: é certo que o lançamento da região próxima ao plano equatorial traz vantagens para lançamentos para órbitas que permanecem nesse mesmo plano, como é o caso dos satélites geoestacionários. Esta vantagem é evidente quando comparado ao desempenho que lançadores teriam em centros distantes desse plano. Contudo, essa economia pode não ser válida para todo tipo de lançamento. Existem muitos fatores que podem interferir no cálculo dessa vantagem em relação a outros centros de lançamento. A logística, as características dos lançadores, as condições de licenciamento e, fundamentalmente, a órbita a ser alcançada, são fatores mandatórios que devem ser considerados. A título de exemplo, se o destino do satélite for uma órbita polar em lugar da equatorial (onde são posicionados os satélites de sensoriamento remoto), esta vantagem é nula.
  9. Quanto à possibilidade de desenvolvermos novos satélites a partir dos recursos a serem arrecadados em Alcântara: projetos espaciais demandam enormes investimentos que, com raras exceções, estão a cargo do Estado. A AEB acredita que uma atividade de lançamento robusta a partir de Alcântara, se de fato for alcançada, certamente beneficiará empresas que ali operarem, favorecerá o emprego qualificado para o setor, gerará impostos e movimentará a economia em alguma escala. No entanto, discordamos que venha a gerar recursos em montante suficiente para financiar outros projetos governamentais. Concordamos que as taxas arrecadadas poderão beneficiar o Programa Espacial Brasileiro, já que reduzirão o montante a ser direcionado para a manutenção do Centro, liberando, dessa forma, recursos federais para serem investidos em outros projetos. Daí a financiar outros projetos é um grande salto, ainda mais na área aludida à matéria, que é a de telecomunicações. E aqui não se toca nos impedimentos legais para que o Estado atue em setores hoje reservados para a iniciativa privada.
  10. Quanto às obras e modificações na área de segurança do CEA: a AEB corrobora a informação do artigo de que foram sim realizadas muitas obras de aprimoramento no Centro nos últimos anos, inclusive a nova torre de lançamentos que foi reconstruída. Contudo, faltou mencionar que elas foram financiadas diretamente pelo atual MCTIC por meio da AEB. Mais especificamente, ao longo do período de 2003 a 2017 foram investidos pela AEB R$ 545 milhões na infraestrutura geral do Centro, o que reflete uma vez mais o modelo de cooperação vigente junto ao Ministério da Defesa e ao Comando da Aeronáutica, e não sob o protagonismo de um elo específico do sistema.

Agência Espacial Brasileira (AEB)