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Artigo: O Desafio da aplicação do artigo 106, inciso III, da Lei de Licitações: Quando extinguir contratos sem ônus deve ser tornar uma arte.

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Publicado em: 23/08/2024 17:08

Por Mainara Teles Dourado.

 

Introdução.

A Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) trouxe uma série de inovações no âmbito das contratações públicas, com o objetivo de aprimorar a eficiência e a transparência na gestão dos recursos públicos. Entre as várias novidades, uma que merece nossa atenção é o inciso III do artigo 106, que dá à Administração Pública uma espécie de “carta de saída” elegante par as contratações firmadas por prazo de até cinco anos. Com feito o referido inciso dispõe sobre a possibilidade de extinguir contratos “plurianuais” (leia-se firmando por mais de um ano) sem ônus quando os recursos orçamentários secarem ou quando o contrato, digamos, já não estiver mais trazendo aquele brilho nos olhos. Explico.

Com a Lei 14133/21, a Administração Pública pode assinar contratos de até cinco anos.  Sim, com o Artigo 106 da nova legislação de licitações e contratos, aqueles contratos de serviços e fornecimentos para as necessidades contínuas e permanentes da Administração não precisam mais, necessariamente ter periodicidade anual. Menos contratos, mais facilidades na gestão e na fiscalização, além de outras vantagens que adoção dessas avenças “plurianuais” podem proporcionar à Administração.

Nessa senda, o que o inciso III do artigo 106, dispõe é a possibilidade de a Administração Pública extinguir contratos tais contratos que inicialmente foram firmados por “longos prazos”, sem ônus, em determinadas situações, quais sejam: quando não houver créditos orçamentários para a continuidade do contrato ou quando a Administração entender que o contrato não mais lhe oferece vantagem.

À primeira vista, esse dispositivo parece um presente dos deuses da gestão pública, oferecendo uma maneira de dizer adeus a contratos que se tornem um fardo sem gerar dores de cabeça extras. Mas, como todo presente, há um, porém: na prática, aplicar esse dispositivo pode ser um verdadeiro quebra-cabeça, tanto do ponto de vista jurídico quanto administrativo. Afinal, nem sempre é fácil dizer adeus, ainda mais quando a despedida envolve tantos detalhes legais e burocráticos.

Primeiro, para a realização de contratações com até cinco anos para serviços e fornecimento de bens de forma contínua, a autoridade competente do órgão ou entidade contratante deverá atestar que uma maior vantagem econômica será alcançada com a contratação com maior prazo mais longo, ou seja, não basta o preço ser bom; a contratação também tem que vir com um bônus de economia nos custos administrativos, por exemplo,  a gestão de contratos, a desnecessidade de um novo procedimento licitatório para serviços e bens permanentes, a redução dos custos do contratado que permitirá em preços mais vantajosos para a Administração.

Além da necessidade de justificar a vantajosidade desses contratos mais longos, vale lembrar que a Administração precisa fazer um check-up anual nesses contratos, pois em cada aniversário da contratação, é preciso garantir que a vantagem econômica continua firme e forte e que tudo está em dia com a lei e o orçamento. Esse cuidado é para garantir que o contrato continue sendo um bom negócio durante todo o período, atendendo aos princípios de economicidade e eficiência que regem a gestão pública.

O inciso III do artigo 106 traz uma carta na manga para a Administração Pública: a possibilidade de encerrar contratos firmados por longo prazo antes do seu término, sem custo adicional se o orçamento secar ou se o contrato parar de ser aquele negócio vantajoso que parecia no início. Nesses dois casos, a Administração pode avaliar e dizer ao contratado “tchau, obrigado” sem ter que pagar por isso.

Porém primeira dificuldade em terminar essa, que era para ser uma longa relação, reside na avaliação do que constitui uma ” ausência de vantagem” para a Administração. A noção de vantagem pode ser subjetiva e variar conforme os critérios adotados. Depende do humor do dia do gestor? das circunstâncias? quais os critérios que devem ser adotados? Isso abre uma verdadeira caixinha de surpresas: como saber exatamente quando um contrato deixou de ser vantajoso?  Isso levanta questões sobre os parâmetros que devem ser utilizados para determinar a falta de vantagem em um contrato já firmado. Seria a relação custo-benefício, o cumprimento dos objetivos contratuais, ou outros critérios específicos? Essa falta de clareza pode transformar o que deveria ser simples em um verdadeiro campo minado jurídico, tanto para a Administração quanto para os contratados, isso porque o contratado que investiu naquela avença de longo prazo, certamente não ficara satisfeito e questionará judicialmente tais critérios de ausência de vantagem se eles não forem suficientemente transparentes.

  1. A Questão da afirmação dos Créditos Orçamentários para justificar o término da contratação de longo prazo.

Outro ponto de dificuldade de aplicação é a fundamentação da ausência de disponibilidade de créditos orçamentários para a continuação da avença. E o princípio do planejamento?  Se a contratação é uma necessidade permanente e contínua, deve ser muito bem detalhado, nesse caso, ao contratado que está cumprido regulamente os seus deveres, “que a fonte secou” e por isso a relação será extinta.

Digamos que a falta de créditos orçamentários, possa não ser uma falha da Administração, mas uma consequência de fatores externos, uma força maior, por exemplo.  No entanto, a extinção de contratos com base nessa justificativa também concede ao contratado o recebimento dos seus direitos e pode ser vista como um descompasso entre o planejamento orçamentário e a execução contratual a que o próprio contratado não deu causa, isso pode levar o contratado a buscar na justiça o equilíbrio econômico-financeiro. Afinal, ele se preparou e planilhou a amortização dos seus investimentos para um contrato de cinco anos.

Então, apesar de o dispositivo legal prometer a extinção do contrato sem ônus, a prática pode ser um pouco mais complicada. Acabar com um contrato sem custos pode parecer uma festa, mas pode gerar uma bagunça de custos indiretos para a Administração. E para os contratados, a coisa pode ser ainda mais delicada: a extinção sem ônus pode significar prejuízos financeiros, principalmente em contratos que envolveram investimentos significativos. Portanto, mesmo que o contrato termine sem custos, o “happy hour” pode não ser tão alegre para todos!

Diante desses potenciais dificuldades, é essencial que a Administração Pública adote critérios claros e objetivos para a aplicação do inciso III do artigo 106. A transparência na decisão de extinguir contratos deve ser uma prioridade. É preciso uma fiscalização afiada para garantir que as razões para terminar o contrato, seja por falta de vantagem ou de orçamento, sejam bem justificadas, na tentativa de evitar que o adeus ao contrato plurianual sem ônus vire um verdadeiro “novelo de contestações judiciais”, é fundamental que as decisões sejam baseadas em análises técnicas e econômicas rigorosas.

Conclusão

A aplicação do inciso III do artigo 106 da Lei de Licitações e Contratos representa um desafio significativo para a Administração Pública. Embora o dispositivo ofereça uma ferramenta importante para a gestão eficiente dos contratos, sua implementação requer cuidado e precisão. É essencial definir claramente os critérios de vantagem administrativa, gerenciar os créditos orçamentários com destreza e adotar procedimentos tão transparentes quanto um vidro limpo para garantir que a extinção de contratos sem ônus seja feita de maneira justa e equilibrada, preservando o interesse público e a segurança jurídica das relações contratuais.

Brasil. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Dispõe sobre licitações e contratos administrativos. Diário Oficial da União, Brasília, 1º abr. 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14.133-de-1-de-abril-de-2021-309725511. Acesso em: [data de acesso].

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133/2021. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.