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Reequilíbrio de contratos com administração pública na reforma tributária

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Publicado em: 25/07/2025 16:07

A Lei Complementar nº 214, que regulamenta a reforma tributária, foi publicada em 16 de janeiro de 2025 e trouxe inúmeras inéditas regras tributárias na modificação do modelo adotado no Brasil, destacando um capítulo especial para tratar do reequilíbrio de contratos administrativos por conta dos impactos projetados das mudanças.

O quarto capítulo da referida lei, que inicia no artigo 373, se dedica a regrar as possibilidades de ajuste nos contratos administrativos em andamento por decorrência dos impactos da reforma tributária. Contudo, algumas passagens trazem imprecisão ou mesmo equívoco e tendem a gerar uma série de polêmicas, limitações, impactos e, em última análise, problemas quanto aos valores e equilíbrio dos contratos em andamento e possíveis descompassos no fluxo de caixa.

Fixação temporal

Em primeiro lugar, destaca-se a fixação temporal do instituto para identificar os contratos abrangidos pela regulamentação. O estrito teor da lei limita a possibilidade do reequilíbrio apenas para os contratos firmados anteriormente à entrada em vigor da lei complementar, ou seja, antes do dia 16 de janeiro de 2025, pois ela entrou em vigor na mesma data de sua publicação, criando um “limbo” perigoso para os contratos celebrados depois desta data e antes da geração de efeitos e início da transição, programada para janeiro de 2026, mesmo que tenham sido ressalvados na lei aqueles cuja proposta tenha sido apresentada antes da entrada em vigor da lei, pois entrada em vigor da lei tem data diversa da de início dos impactos tributários da lei.

Ou seja, em tese todos os contratos de proposta e celebração posterior a 16 de janeiro de 2025 não admitirão reequilíbrio por decorrência da migração para o sistema de impostos sobre valor agregado (IBS e CBS), pois implicitamente a norma legal pressupõe que todas propostas e contratações firmadas após publicação da lei já teriam condições de considerar, e de fato devem ter considerado, os impactos da nova forma tributária nos preços, não admitindo provocações modificativas posteriores por conta desta temática, pois não será mais “fato novo de efeitos imprevisíveis ou incalculáveis”, que fundamenta a revisão de preços nos contratos públicos.

Ocorre que a matéria não está dominada por grande parte das empresas que mantêm contratos com o governo, havendo empresas que já embutem os efeitos tributários futuros em suas propostas e outras que não, gerando uma desigualdade de bases e de competição que desagua nas discrepâncias de preços ofertados em licitações, não sendo admitido correção posterior, sob pena de ferir a isonomia do certame antecedente.

Importantíssimo ressaltar aqui que aditivos se equiparam, em efeitos, aos contratos originais que se atrelam, de modo que emerge grande preocupação com os aditivos de toda ordem, mais relevantemente os que fixam valores, formalizados ao longo de 2025, após 16 de janeiro, pois podem consolidar valores invariáveis pelo decurso de 12 meses, o que significa possivelmente amargar prejuízos no início dos impactos tributários em 2026 sem possibilidade de correção. Neste aspecto, é recomendado cuidados especiais no clausulamento de tais aditivos, de modo a reservar o tema e deixar espaço para ajustes futuros de impactos da nova sistemática tributária, vez que possui efeitos escalonados e longo período de transição.

Regimes diferentes da administração pública

Outro problema desta normatização do novo modelo tributário diz respeito ao tratamento concedido a contratos de regimes diferentes.

Ora, ao impor efeitos nos contratos da administração pública direta e indireta, da forma como posto no artigo 374, contraria frontalmente a disposição do §2º. do artigo anterior, 373, que dispõe explicitamente sobre a não aplicação nos contratos privados, considerando que, nos termos do artigo 68 da Lei 13.303/16 (Lei das Estatais), os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista — integrantes da administração pública indireta — seguem o regime privado, como se transcreve:

“Os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado.”

Esta confusão redacional, praticamente uma contradição, torna-se mais evidente ao comparar as diferentes formas de referência a contratos ao longo do referido capítulo da regulamentação da reforma tributária e mesmo quando se depara com o explícito título — “Do Reequilíbrio de Contratos Administrativos”, pois, ao longo do capítulo, ora de refere apenas a “contratos” e noutras passagens a “contratos administrativos”.

Abrangência de contratos administrativos

A rigor, a melhor técnica de hermenêutica recomenda interpretar estas passagens textuais diferentes como referência proposital a institutos distintos, valorizando a literalidade.  Contudo, ante as aparentes contradições, parece mais razoável interpretar pela aplicabilidade das regras estabelecidas no capítulo sobre todos os contratos, não limitando aos contratos administrativos, como sugeriria o título, de modo a abranger a realidade das estatais — que fazem parte do organismo da administração pública (indireta) — mas celebram contratos sob regime jurídico de direito privado.

Spacca

Com efeito, a cautela recomenda que nos contratos que envolvam tanto instituições da administração pública direta, quanto da administração pública indireta, abrangendo as estatais, sejam aplicados os ditames da regulamentação tributária em comento, com suas limitações, portanto, considerando os peculiares efeitos do princípio da legalidade no âmbito público.

Outros aspectos importantes que exigem previdência dizem respeito à estruturação e demonstração dos custos incorridos para o cálculo de impacto, pois a lei é clara ao exigir comprovação do desequilíbrio.

Mais do que isso, a regra legal regulamentada chega a estabelecer as premissas aplicáveis ao cálculo dos impactos da nova carga tributária suportada pelas contratadas, considerando os efeitos da não cumulatividade e da apuração de créditos, o repasse a terceiros e os impactos específicos no período de transição, merecendo integração ainda com os históricos benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros da contratada relacionados aos tributos extintos, do que se extrai a necessidade de registro e transparência para identificação dos reais impactos a sustentar o reequilíbrio.

Distribuição de riscos

Questão relevante e inédita, a favor das contratadas do setor público, é a relativização da regra de distribuição de riscos para admitir reequilíbrio econômico-financeiro mesmo que haja previsão em matriz de risco que impactos tributários supervenientes seriam de responsabilidade exclusiva da contratada. Ou seja, aquelas contratadas que firmaram contratos com este tipo de clausulamento, também podem provocar e requerer ajustes especificamente para repercutir os impactos da reforma tributária regulada nesta Lei Complementar nº 214/2025, tão somente, desconsiderando o impedimento oriundo da matriz de riscos contratualmente estabelecida, que permanece válida e eficaz para demais situações.

Outra impropriedade da lei é a referência à revisão de ofício pela administração, para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro quando constatada a redução da carga tributária efetiva suportada pela contratada.

Mesmo que considere o direito à manifestação pela contratada, fato é que este instituto de revisão para reequilíbrio não admite ultimação de ofício; iniciativa de ofício pode haver, mas a conclusão exige ativa participação e concordância da contratada, até a final formalização do necessário aditivo, que decorre de acordo das partes, não havendo espaço para unilateralidade na refixação de preços sem que haja um aprofundamento nas realidades específicas de custeio e precificação. Porquanto, instrumentos unilaterais de apostilamento podem ser questionados em sua valia e aplicabilidade.

Revisão para incorporação dos efeitos tributários

Interessante neste aspecto ressaltar que a mesma regulamentação tributária estabelece a necessária concordância da contratada para formas alternativas de reequilíbrio. Ora, a rigor esta é a regra aplicável ante qualquer cenário para revisão de conteúdo contratual e não deveria ser diferente neste caso, pois não há falar-se em unilateralidade de lançamento de impacto sobre preço e matriz de custeio alheia, o que significaria uma mudança no relevante pilar financeiro da proposta de terceiro.

A seu turno, as contratadas que pretendam a revisão do preço para incorporação dos efeitos tributários da reforma precisarão provocar a abertura de procedimento administrativo específico e exclusivo para este fim junto à administração contratante, sendo importantíssima a parametrização técnica de conteúdo nesta provocação, pois delimitará todo o avanço de pesquisa e cálculo que embasarão as conclusões.

O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro poderá ser realizado a cada nova fase de efeitos da transição tributária que ocasione o comprovado desequilíbrio, ou de uma só vez já projetando os efeitos futuros a serem aplicados aos preços, de forma a já abranger todas as alterações da matriz tributária previstas para o período de transição.

Também relevante, o legislador afixou regra para preclusão do pleito de reequilíbrio econômico-financeiro decorrente da reforma tributária, de modo que não se trata da tão polêmica preclusão tácita, embora esteja implicitamente absorvida pelo impedimento pós prorrogação, mas de efetiva preclusão legal, de implacável e inafastável efeito extintivo de direito. Logo, o pedido há de ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação, sob pena de perda do direito ao reequilíbrio.

A regulamentação traz outro importante ponto no que diz respeito aos possíveis efeitos do reequilíbrio, transcendendo a simples revisão do preço para permitir compensações financeiras, ajustes tarifários ou de aportes de recursos, renegociação de prazos e condições contratuais, transferência de custos ou encargos e demais métodos aceitáveis, o que se aplica mais propriamente e de modo interessante para concessões e parcerias público-privadas.

Para facilitar e regrar de modo mais detalhado o reequilíbrio econômico-financeiro, a regulamentação em comento permite a elaboração de regulamentos próprios das pessoas jurídicas da administração pública sobre procedimentos e metodologias de cálculo, prevendo inclusive admissão de implementação provisória de efeitos futuramente compensáveis, o que pode ser extremamente útil em cenários de fluxo de caixa espremido.

Conclusão

Por final, antecipando eventuais questionamentos sobre a incompatibilidade e ilegalidade destas novas regras ante os institutos consagrados de direito administrativo, urge ressaltar que esta lei, gerada legitimamente sob a elevada forma de lei complementar, refere que aplicam-se, subsidiariamente, as disposições da legislação de regência do contrato, que remete atualmente à Lei 14.133/21 para a administração direta, Lei 13.303/16 para as Estatais, Lei nº 8.987/95 para concessões, Lei nº 11.079 para Parcerias Público-Privadas (PPPs) e demais leis específicas de aplicação sobre os diversos especiais tipos contratuais, merecendo ressalva, por evidente, as disposições constitucionais.

Logo, a reforma tributária não apenas inovou no modelo de tributação do Brasil, mas também adentrou com algumas inovações noutros ramos jurídicos, como na parte contratual do direito administrativo, especialmente no tocante à revisão de preços para reequilíbrio econômico-financeiro, exigindo cuidados sobretudo no período de transição.

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