No último dia 11 de agosto, foi aprovado o Manual do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) por meio da Portaria Interministerial SG/MGI/AGU nº 197/2025 (1). Trata-se de uma ação coordenada entre diversos órgãos da administração pública federal com objetivo de orientar sobre as boas práticas para aplicação da Lei Federal nº 13.019/2014 e respectivo decreto regulamentador.
Mendonça et al. (2025) evidenciam um crescimento da produção acadêmica sobre o MROSC, discutindo questões práticas como: (1) as diferenças na maneira como o MROSC foi regulamentado pelos entes subnacionais, (2) a realização de treinamentos e capacitações, (3) o nível de participação das organizações da sociedade civil (OSCs) no processo de implementação, (4) a observância do chamamento público, (5) a dificuldade das OSCs de menor porte em manter a escrituração e transparência contábil exigidos pela lei, (6) os impasses com órgãos de controle na prestação de contas, (7) a necessidade de alinhamento estratégico amplo para concretizar os princípios administrativos (2).
Neste sentido, observa-se que o Manual MROSC se mostra como uma oportunidade para aproximação da prática com proposições teóricas, sendo um instrumento de política pública que atende demandas das OSCs, satisfaz necessidades concretas identificadas na implementação e promove a governança pública. O presente artigo apresenta uma leitura panorâmica do Manual MROSC para difundir essa iniciativa e contribuir com a aplicação da lei.
Instrumento de política pública
O MROSC é uma política pública de promoção da autonomia das OSCs enquanto legitima sua atuação em cooperação com o Estado para a prestação de serviços sociais por meio de um processo de implementação interativo entre governo e sociedade civil organizada (3). A exigência da transparência sobre os recursos públicos associados a parcerias entre setor público e OSCs, consolidada pelo marco regulatório, legitima esta atuação diante do debate público.
A mudança institucional e regulatória estabelecida pelo MROSC exige a criação de instrumentos para garantia da governança sobre o processo de formalização de parcerias (4). Coordenar atores governamentais e não-governamentais é uma tarefa que exige uma comunicação adequada e procedimentos padronizados. Esse é um dos motivos para o próprio marco regulatório estabelecer a obrigatoriedade do fornecimento de manuais sobre a simplificação e racionalização dos procedimentos previstos na lei, nos termos do artigo 63, §1º, da Lei Federal nº 13.019/14.
Nesse sentido, o Manual MROSC pode ser compreendido como um mix de instrumentos de política pública (5). Ele oferece diferentes ferramentas de política, cujo uso combinado apresenta uma série de funcionalidades em configurações que mudam de acordo com a etapa de implementação (6). Algumas dessas ferramentas estão anexadas no manual, sendo disponibilizadas em formato de modelo, enquanto outras estão contidas no próprio conteúdo das seções do manual. Conforme expresso no próprio manual, essas ferramentas atingem funcionalidades como a padronização de processos, garantia de segurança jurídica e informar atores sociais envolvidos nas parcerias do MROSC.

O processo de construção participativa do Manual MROSC confere eficácia ao mix de instrumentos oferecido pelo governo federal. A participação da sociedade civil organizada, dentre outros benefícios, permite o encaminhamento de suas demandas e favorece um alinhamento sobre a implementação da proposta (7). Durante o processo participativo foram recebidas 50 contribuições via consulta pública e 263 sugestões de aprimoramento durante apreciação do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (Confoco), colegiado composto por 20 representantes de OSCs e movimentos sociais.
Governança pública: orientação para gestores públicos e OSCs
Oliveira (2010) leciona que a governança pública é um modelo de gestão não hierarquizada em que o Estado interage com organizações empresariais, sociedade civil organizada e indivíduos (8). Ela institui e mantém vínculos cooperativos para mediação de interesses públicos e privados, em conformidade com a juridicidade. Assim, uma boa governança pública garante o agir responsável dos assuntos estatais (9). A elaboração e aprovação do Manual MROSC demonstra uma condução responsável do governo federal na celebração de parcerias, pois cumpre com uma obrigação da legislação sobre o fornecimento de manuais.
Além disso, o Manual MROSC propõe um outro olhar para a linguagem normativa, aproximando-se da ação estatal e do ciclo de políticas públicas (10). Sua estruturação em seções (planejamento, seleção, celebração da parceria, execução, monitoramento, avaliação e prestação de contas) possibilita que a ação estatal motive a decisão de estabelecer uma parceria para concretização de uma finalidade pública. Isso permite que atores em diálogo ou controle de gestores públicos possam entender o motivo da parceria, o que a parceria fará e qual a diferença para a sociedade (11).
Na seção de planejamento, o Manual MROSC orienta sobre a identificação do problema público e a conformação da agenda de intervenção. Sugere-se a adoção da metodologia de árvore de problema para tomada de decisão. Nela se extrai o problema central, suas causas potenciais e consequências práticas. Esse exercício oferece uma base para definição dos objetivos e do objeto da parceria, do resultado esperado, do valor de referência, do instrumento de parceria e demais requisitos para a elaboração do edital de chamamento público ou de não realização, em caso de dispensa ou inexigibilidade.
O planejamento está direcionado à gestão pública, mas também é uma fase necessária dentro da gestão das OSCs, em especial se o Estatuto Social prevê como atividade a celebração de parcerias. Importante que a OSC mantenha uma atuação preventiva de regularidade jurídica, fiscal e de conformidade, bem como uma estrutura de conhecimento que possibilite a construção de um plano de trabalho e capacidade para sua execução, que são exigências para as etapas de seleção, de celebração, de execução, monitoramento e avaliação e prestação de contas.
Quanto à seleção e à celebração, o manual orienta para o diálogo com as OSCs participantes e a observância da transparência para garantir que as informações sejam amplamente divulgadas e compreendidas. Além disso, também se observa a conformidade da documentação enviada e a capacidade técnico-operacional da OSC em atender o problema público identificado, conferindo se estão de acordo com as exigências legais. Importante destacar que o manual orienta, em relação à equipe de trabalho, para a observância das vedações legais de não remuneração de servidores ou empregados públicos. O manual também orienta sobre as conformações necessárias no caso das emendas parlamentares, seguindo as exigências legais e jurisprudenciais sobre o assunto.
Na execução, monitoramento e avaliação e prestação de contas, o manual reforça a ênfase na transparência e no diálogo com a OSC parceira para publicização de informações e documentos em sites institucionais. Nestas fases, a gestão da OSC ganha maior relevância, pois é a responsável pelo cumprimento da parceria. Ela quem implementa o projeto, atende a pedidos, recebe visitas técnicas e gere o sistema informacional para satisfazer demandas das prestações de contas. O manual orienta sobre a execução e o controle dos resultados da parceria, avaliando se o problema público está sendo mitigado ou solucionado com a parceria. Assim, evita-se excessivo formalismo quanto à execução das despesas, cuja avaliação se preocupa com os termos previstos no plano de trabalho, em conformidade com a Lei Federal nº 13.019/14 e o decreto regulamentador. Por isso, é de extrema importância que o ente federativo tenha o seu regulamento do MROSC.
Estes são alguns destaques de uma leitura panorâmica do Manual MROSC, que se mostra como um instrumento de política pública e de governança pública para aplicação da Lei Federal nº 13019/14. Embora apenas em âmbito federal, sua utilização voluntária ou similar por gestores públicos de outros entes federativos e por gestores de OSCs poderá fornecer conhecimento para manutenção segura e legítima dos vínculos entre ação estatal e sociedade civil pela concretização dos direitos humanos.
Referências bibliográficas:
(1) Manual MROSC: do planejamento à prestação de contas : como implementar o marco regulatório das organizações da sociedade civil no Governo Federal Lei 13.019/2014 e Decreto 8.726/2016 /Secretaria-Geral da Presidência da República, Advocacia-Geral da União, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Brasília: Presidência da República, 2025. 184p. Disponível aqui.
(2) MENDONÇA, Patricia M. E.; HOLANDA, Bruna de M.; NEVES, Laura V.; MACHADO, João V. F. Uma década do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e as parcerias no Brasil: revisão do escopo dos trabalhos publicados entre 2014-2023. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília, v. 76, n. 1, p. 127-148, 2025.
(3) MATIAS-PEREIRA, José. Governança no setor público. São Paulo, SP: Atlas, 2010. 266 p. ISBN 9788522458707 (broch.).
(4) SALINAS, Natasha S. C. Parcerias entre estado e organizações da sociedade civil: análise do seu espaço regulatório. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 75, p. 395–418, 2019.
(5) CAPANO, Giliberto; HOWLETT, Michael. The Knowns and Unknowns of Policy Instrument Analysis: Policy Tools and the Current Research Agenda on Policy Mixes. Sage Open, v. 10, n. 1, p. 2158244019900568, 2020.
(6) RAYNER, Jeremy; HOWLETT, Michael; WELLSTEAD, Adam. Policy mixes and their alignment over time: Patching and stretching in the oil sands reclamation regime in Alberta, Canada. Environmental Policy and Governance, v. 27, n. 5, p. 472-483, 2017.
(7) MARQUES, Francisco P. J. A. Participação política, legitimidade e eficácia democrática. Caderno CRH, v. 23, p. 591-604, 2010.
(8) OLIVEIRA, Gustavo J. de. Governança Pública e Parcerias do Estado: a relevância dos acordos administrativos para a nova gestão pública. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 23, setembro, outubro, novembro, 2010.
(9) CANOTILHO, José J. G. Brancosos e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2006.
(10) DEUBEL, André-Noel R. Políticas públicas: formulación, implementación y evaluación. Bogotá: Ediciones Aurora, 2002.
(11) LASSWELL, Harold D. Politics: who gets what, when, how. Cleveland, EUA: Meridian Books, 1958.
Fonte: Consultor Jurídico





